domingo, 10 de janeiro de 2010

Que Droga

Outro dia eu ia de ônibus para o trabalho quando entraram dois rapazes; enquanto um distribuía canetas e lapiseiras, o outro esbravejava lá da frente que é um ex-viciado em drogas, e que hoje está curado graças à instituição evangélica que o salvou daquele mundo. Agora, ele ajuda o trabalho da instituição, e vende as canetas para arrecadar fundos. Eu não comprei. Admito arrependimento por ser tão avarento. Mas é que além do meu típico mau-humor matinal e da cor extravagante da caneta que não me agradou, um pensamento frio e calculista me tomou a cabeça desde esse episódio. Logo irei explicar.
Toda quinzena eu junto meus cupons fiscais e coloco numa urna em frente à padaria que fica próxima de onde eu moro; as notinhas irão ajudar a associação das famílias dos deficientes auditivos da Bahia. Sei que é muito pouco o que faço, mas na minha mente fria e calculista, é melhor que comprar a caneta do ex-viciado no ônibus. Porque o surdo não tem culpa de ser surdo – ele nasceu ou ficou assim por causa de alguma doença; já o viciado, se drogou por livre e espontânea vontade, se divertiu com isso, e o tempo todo ele sabia o mal que estava fazendo a si mesmo. Posso ser um péssimo cristão negando ajuda aos necessitados; mas se tiver que eleger prioridades, o viciado vai ficar por último.
Falando em drogas, vamos ao paraíso delas. Não, não é a Holanda; é a cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Outro dia recebi do meu tio carioquíssimo um e-mail com a campanha “Eu ajudei a destruir o Rio”. O texto todo você encontra no Google, mas resumindo, fala do fim da década de 70, quando nas influentes rodas da sociedade, entre artistas e jornalistas, a cocaína entrou na moda, se tornando o maior barato. A campanha estimula que estes mesmos influentes, hoje cientes do seu erro, assumam e digam: “Eu ajudei a destruir o Rio”. Vale colar adesivo no vidro do carro ou escrever no Twitter.
Quem vai aderir? Poucos. Que efeito vai causar? Nenhum. Algo como no filme Tropa de Elite: Sucesso de audiência, recorde de vendas até entre os DVDs piratas, super assistido antes mesmo da estréia. Fica muito claro no filme, para a cabeça tola e dualista das grandes massas, quem é o “mocinho” e quem é o “bandido” da história toda. Fica bem claro que o dinheiro que o playboy dá numa carreirinha vai parar na bala do fuzil que estoura os miolos de uma universitária. Mas o que mudou depois disso? Nada. O que acontece quando um ator global vai parar numa clínica de desintoxicação? Todos ficam com peninha dele. Mandam mensagens de apoio e tudo mais. E quando ele se “recupera”, vai chorar na TV dizendo como foi difícil superar tudo aquilo, ao som de musiquinha triste, com platéia emocionada, imagens da carreira, e toda a encheção de linguiça que a tarde de domingo merece. Realmente, sou eu o avarento de coração gelado; não compro caneta no ônibus nem choro vendo a celebridade ex-drogada. Será que só eu o vejo como um criminoso? Sim, um criminoso, que por um longo período comprou e se utilizou de um produto ilegal, adquirido de contraventores, que irão aplicar aquele dinheiro para manter seu poder através da violência!
Vamos pensar assim: se algum famoso compra um mico-leão dourado ameaçado de extinção de um caçador malvado, depois cria ele por anos numa gaiola no seu apartamento na Barra; será que, quando descoberto, ele vai chorar dizendo que está arrependido e a platéia emocionada vai chorar com ele e aplaudir o feito? Ou será que todos irão atirar pedras, alegando violência contra os animais, colaboração com a extinção da espécie, o desmatamento da amazônia, o aquecimento global e tudo mais que se puder acusar?
Deixa eu ver se entendi direito: maltratar os bichinhos, não pode. Financiar um complexo sistema internacional de drogas e violência: ah, que peninha, ele não sabia o que estava fazendo. Não me entenda mal, não tenho nada contra a natureza; mas acho que tem alguma coisa errada com a cabeça desse Brasil.

Um comentário:

Val disse...

Seguindo o raciocínio, vale lembrar que as armas usadas pelos marginais costumam ser financiadas pelo 'inocente' dvd pirata que encontramos em todas as esquinas. Os caras são espertos e tem um grande leque de negócios.
Chororô não resolve nada.